Um sistema que reúne milhares de informações criminais desencontradas. Estados que consultam os dados de outras unidades da federação, mas não fornecem os seus próprios. Assim são os complexos sistemas de informação coordenados pelo Governo federal. Essa falta de comunicação entre bancos de dados resulta em um problema maior: muitos dos crimes cometidos em Pernambuco são desconhecidos no Rio de Janeiro ou em qualquer uma das outras 25 unidades da federação, por exemplo. Assim, um ladrão de bancos com um mandado de prisão no Recife pode passar incólume em uma blitz policial no Rio e vice-versa.
Para tentar mudar esse cenário e qualificar as estatísticas de delitos, o Governo deve unificar até o fim do ano sua base de dados, que é alimentada exclusivamente pelos Estados. A informação foi divulgada nesta quarta-feira, em São Paulo, pelo diretor de ensino e pesquisa da Secretaria Nacional de Segurança Pública, Rogério Carneiro, após o seminário “Gestão de Segurança – soluções integradas e inovações tecnológicas para segurança pública e privada”. Promovido pelo EL PAÍS, o evento teve o patrocínio da empresa de tecnologia e soluções em segurança NEC, e apoio da escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Segundo Carneiro, as 27 unidades da federação assinaram um protocolo em que concordam em atualizar os dados frequentemente dentro de padrões pré-estabelecidos pela União. Atualmente, cada Estado informa o que bem entende e da maneira que acha mais correta. Por exemplo, se um corpo for encontrado com marcas de várias facadas, o caso pode ser registrado como homicídio ou como achado de cadáver. “As polícias registram casos com crimes que nem existem e isso não pode ocorrer”, afirmou o diretor.
Alimentar um banco de dados unificado, inclusive entre as polícias Civil e Militar, é importante para ajudar as apurações dos delitos e para delimitar quais seriam as zonas de maior ocorrência de crimes. “Se em um determinado local costuma ocorrer roubos nas noites de quinta-feira a polícia precisa saber disso. Como ela não sabe, ela acaba protegendo um lugar onde não há tantas ocorrências e deixa a outra área desprotegida”, explicou Carneiro.
Outros dois problemas da falta de sincronia dos dados da segurança pública foram revelados pelos palestrantes do evento. O presidente da Associação Brasileira de Papilocospistas Policiais, Paulo Ayran Bezerra, disse que há alguns meses a Polícia Federal identificou um criminoso em Goiás que possuía 27 carteiras de identidades diferentes, uma de cada unidade da federação. Com esses documentos, obteve 27 benefícios da Previdência Social, como aposentadorias e auxílios. Essa falha específica vai além da ausência de registros unificados. Ela abrange também a falta de unidade dos sistemas de identificação, que costumam ser geridos pelas secretarias de segurança.
O outro caso que acontece por conta da falta de unificação dos dados foi demonstrado pelo diretor adjunto-setorial de segurança da Federação Brasileira de Bancos, Waldemar Wiltemburg dos Santos.
Segundo ele, como as polícias estaduais não se conversam, algumas instituições financeiras estão contratando escritórios de advocacia para auxiliar nas investigações de qualquer roubo a uma agência. “O advogado vai até a delegacia e leva a ficha criminal do preso, mostrando que ele faz parte de uma quadrilha que age em mais de um Estado”, explicou Santos ao EL PAÍS.
Integração policial
A experiência adquirida pelo país na Copa do Mundo do Brasil no ano passado deverá ser replicada nos torneios de 2018 e 2022, na Rússia e no Catar, de acordo com o secretário extraordinário de Segurança para Grandes Eventos, Andrei Rodrigues. O secretário disse que membros organizadores do Catar passaram uma semana no país conhecendo os centros integrados de comando e gerenciamento, espalhados pelas 12 cidades-sede, e a estrutura de segurança.
A integração policial que ocorreu naquela ocasião, porém, está longe de se repetir no dia a dia, segundo o cientista político André Zanetic, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo. “Em um grande evento, com data marcada, funciona bem. Mas isso não funciona normalmente porque as polícias [Civil e Militar] não se conversam”, ressaltou.
Zanetic também se mostrou contrário à decisão do Governo brasileiro de fazer a segurança das 159 instalações dos jogos olímpicos do Rio de 2016, o próximo grande evento sediado pelo Brasil. Na Copa, empresas privadas contratadas pela FIFA eram as responsáveis pela segurança nas arenas, hotéis, centro de imprensa e demais áreas usadas para o torneio. “Quando se colocam policiais nos estádios, o gasto é maior. O treinamento deles é mais amplo também do que o de um segurança particular”, explicou.
Após anunciar o projeto durante sua palestra, Rodrigues explicou à reportagem que elaborar o plano de segurança não significa, necessariamente, que policiais farão a segurança dos estádios. “Ainda não sabemos como será. Primeiro vamos elaborar o plano, o que é bom porque teremos um controle maior. Depois vamos discutir quem atuará em qual lugar”, explicou o secretário.